
Thank you to Marcelo Afonso Ribeiro for translating our piece into Portuguese. For the English text see Why a social justice informed approach to career guidance matters in the time of the coronavirus.
Neste post, Tristram Hooley, Ronald Sultana e Rie Thomsen discutem como o coronavírus está moldando nossas carreiras. Eles/as argumentam que os governos precisam reconhecer que agora é um momento crítico para apoiar a orientação profissional e de carreira, porque as carreiras das pessoas estão sendo criticamente interrompidas pelo vírus. Mas eles/as vão além argumentando que gerenciar uma crise não é suficiente. A orientação profissional e de carreira também deve ajudar as pessoas a entender como a política e o poder estão moldando o mundo pós-coronavírus. Em tal situação, precisamos pensar em como podemos tornar o novo normal um mundo mais justo, humano e sustentável.
Nos últimos anos, escrevemos sobre a importância de apoiar pessoas e comunidades para ampliar a maneira como pensam sobre a carreira. Carreira não é apenas sinônimo do tempo que gastamos no mercado de trabalho vendendo este nosso tempo para a melhor oferta de trabalho. Em vez disso, a carreira é um fio que percorre sua vida unindo seu trabalho remunerado com seu trabalho não remunerado, educação, tempo para a família, lazer, cidadania e tudo mais. Trata-se de explorar novas formas de ser humano no Antropoceno, formas que respeitem o self como simbioticamente aninhado em comunidades e, infelizmente, em ambientes cada vez mais ameaçados.
Se o conceito de “carreira” é o grande herói de nossa história, o “neoliberalismo” tem sido o vilão. Estruturas neoliberais e a maneira como a cultura do neoliberalismo colonizou nosso pensamento são o que transformam a promessa potencialmente emancipatória da carreira (na qual você determina o que faz da sua vida) em um processo definido pelo individualismo, competição, insegurança, escravidão salarial e opressão.
Nossa crítica a muitos escritos anteriores sobre carreira tem sido que eles se concentraram nas possibilidades emancipatórias da agência e ignoraram a maneira pela qual a economia política molda essa agência e esvazia os elementos da autoatualização. A carreira no neoliberalismo se transformou em pouco mais do que participar em uma corrida de ratos que é prejudicial ao nosso próprio ser humano e altamente destrutiva para o ambiente em geral.
O reconhecimento da importância da carreira como uma rota através da qual o desenvolvimento humano pode ocorrer e o papel que o neoliberalismo desempenhou em esmagar a esperança e diminuir as possibilidades, amplia o desafio para a “orientação profissional e de carreira”.
Argumentamos que a orientação profissional e de carreira é, em seu cerne, “uma oportunidade de aprendizado intencional que apoia indivíduos e grupos a considerar e reconsiderar o trabalho, o lazer e o aprendizado à luz de novas informações e experiências, e a tomar ações individuais e coletivas como resultado disso” (Hooley, Sultana & Thomsen, 2017).
Nosso argumento é que, no tipo de mundo em que vivemos, a orientação profissional e de carreira pode apoiar o desenvolvimento e a emancipação humana e ajudar as pessoas a desafiar e transcender os mecanismos dominantes neoliberais. Não queremos ignorar ou procurar permanecer neutros aos desafios do poder e do contexto, pois isso seria abandonar as promessas que a orientação profissional e de carreira faz com os/as cidadãos/ãs de que ela pode ajudá-los/as a viver uma vida significativa.
Nosso trabalho está claramente enraizado na crise financeira de 2007-2008. Obviamente, estamos construindo uma longa tradição de trabalho na pedagogia crítica e uma tradição um pouco menor de trabalho na orientação profissional de carreira radical ou emancipatória, mas a crise no neoliberalismo em 2008 e suas subsequentes oscilações e estagnação abriram espaço para uma nova conversa dentro do nosso campo.
A retórica neoliberal, com suas promessas de riqueza e consumo cada vez maiores, parecia cada vez mais improvável de ser cumprida. De fato, essas promessas ao indivíduo provaram ser realmente prejudiciais para nós e para o ecossistema em que habitamos. Desde 2008, ideias radicais sobre maneiras alternativas pelas quais a sociedade pode ser organizada começaram a se popularizar e, em nosso cantinho do mundo, começamos a pensar sobre o papel que a orientação profissional e de carreira pode desempenhar nessa discussão global sobre o futuro, nosso futuro.
O coronavírus entra em cena
No período em que escrevemos sobre essas coisas, o mundo lança um fenômeno cada vez mais confuso. Por um lado, temos os novos autoritários (Trump, Orban, Modi), Brexit e o crescimento da extrema direita nacionalista. Por outro lado, vemos novas formas de resistência em Greta Thunberg, Podemos e as oscilações de esquerda do Partido Trabalhista britânico e dos democratas dos EUA. Já foi suficientemente difícil entender esses espasmos do neoliberalismo tardio, mas, desde o início de 2020, o coronavírus entrou em cena e todas as regras da economia política parecem estar sendo destruídas.
O surgimento do coronavírus parece vir do nada. Isso nos lembra que os/as seres humanos/as não são os/as únicos/as atores/rizes no planeta e que, às vezes, podem acontecer coisas que não resultam de nenhuma política, movimento social ou mesmo sistema político e econômico. Ele dramatizou o fato de que somos vulneráveis, de que o que tomamos como garantido no jogo da vida como jogamos atualmente pode desmoronar rapidamente, de forma abrangente e aparentemente sem motivo.
No entanto, apesar da natureza aparentemente aleatória do coronavírus, devemos tomar cuidado para não o descontextualizar. Como escreveram a cientista estudiosa de pandemias Nita Madhav e seus colegas em 2017, “a probabilidade de pandemias aumentou no último século por causa do aumento das viagens e integração globais, urbanização, mudanças no uso da terra e maior exploração do ambiente natura”. Além disso, eles/as observam que países com sistemas de saúde fortes e capacidade de tomar ações sistêmicas e concertadas são mais capazes de lidar com pandemias. Eles/as também destacam alguns dos perigos da capacidade global desigual de gerenciar uma pandemia, pois somos tão fortes quanto o elo mais fraco da cadeia.
Tudo isso nos lembra que, embora o pensamento e a ação neoliberal não tenham causado o coronavírus, o mundo como ele é, é altamente suscetível a essas pandemias e desastres naturais – uma lição que muitos/as de nós aprendemos ou devíamos ter aprendido com o furacão Katrina e suas consequências em 2005. As políticas neoliberais projetadas para “reverter o Estado” e individualizar a responsabilidade pela saúde e assistência social inevitavelmente reduzem nossa capacidade de gerenciar coletivamente crises como pandemias no nível social quando elas surgem. Como escreveu o economista político Will Davies no contexto da crise dos coronavírus, “o fim do keynesianismo é tão frequentemente visto em termos fiscais e monetários. Mas também deve ser visto em termos epistemológicos. [O] estado neoliberal abandonou os esforços para governar coletivamente, e agora não sabe como agir”. No momento, estamos testemunhando diferentes tipos de respostas dos governos de diferentes Estados. Daqueles que não dão uma resposta política clara à crises para os governos (tanto nos estados de bem-estar social, quanto nas economias mais liberais), compensando os/as trabalhadores/as ociosos/as e cobrindo os custos necessários de manutenção de negócios, enquanto as “empresas estão hibernando”, como dizem os economistas de Berkely, Emmanuel Saez e Gabriel Zucman.
Tudo isso levou ao espetáculo não edificante da liderança política do mundo em pânico completo e incerto sobre o que fazer a seguir. Enquanto alguns ideólogos como Ian Duncan Smith, da Grã-Bretanha, se apegam à ideologia neoliberal durante toda a pandemia, a maioria está procurando desesperadamente por ferramentas que possam permitir que elas evitem o colapso social e econômico. Isso levou a alguns realinhamentos estranhos, por exemplo, com o ex-candidato à presidência republicana dos EUA Mitt Romney explorando a renda básica universal e a Coréia do Sul recebendo elogios internacionais pelos altos níveis de intervenção estatal que caracterizaram a resposta deste país.
Existem vários cenários que podemos modelar sobre os impactos da pandemia a longo prazo. No mais otimista, voltamos ao “normal” no verão (no caso do hemisfério sul, no inverno). Porém, modelos mais realistas observam que, mesmo que a pandemia desapareça por meio de alguma solução tecnológica milagrosa, é provável que os danos à economia sejam reais e substanciais. Muitos restaurantes, bares, companhias aéreas e lojas fecharam suas portas durante o período de isolamento social e podem não ser capazes de abri-las novamente sem o apoio estatal substancial e o estímulo econômico. Muitos trabalhos altamente qualificados estão em processo de mudança para modelos online e não está claro se isso será uma mudança a longo prazo, mas o que está claro é que haverá uma batalha sobre como será a nova normalidade em termos de trabalho e vida profissional.
Onde a carreira e a orientação profissional e de carreira se encaixam nisso?
A experiência do coronavírus já mostrou uma das mudanças mais profundas e coletivas em nossas carreiras desde a Segunda Guerra Mundial. Esse é especialmente o caso quando visto em conjunto com a crescente percepção de que alcançamos o ponto crítico da emergência climática e que as noções de trabalho baseadas em uma economia em constante expansão são, de maneira simples e irrevogável, insustentáveis.
A pandemia serviu para dar o golpe decisivo em concepções estáveis da natureza do trabalho, lazer, vida familiar e sociedade. Muitas das orientações que poderíamos ter dado sobre como construir uma carreira de sucesso podem simplesmente ser deixadas de lado. Em um mundo em que entrar no escritório, trabalhar em rede e participar de uma entrevista são coisas do passado, a orientação profissional e de carreira precisa reformar radical e rapidamente suas mensagens. Além disso, a orientação profissional e de carreira sempre foi mais fraca quando se trata de formas informais e precárias de trabalho. No entanto, no ambiente atual, os/as trabalhadores/as precários/as precisam desesperadamente de ajuda e apoio, pois, muitos dos setores em que estão, entraram em colapso.
Embora a principal ameaça do coronavírus seja para a nossa saúde, em muitos aspectos, a ameaça secundária à economia provavelmente terá um impacto ainda maior. Podemos esperar que o desemprego aumente, a mudança ocupacional aumente e o conteúdo do emprego mude. Com o fechamento das escolas e as atividades de lazer desaparecendo, também podemos esperar que o trabalho se torne mais central na vida das pessoas e se envolva cada vez mais com a vida familiar. Também é provável que vejamos o surgimento de novas desigualdades quando os/as trabalhadores/as de colarinho branco, com exceção dos/as trabalhadores de saúde, que permanecem na linha de frente, se escondem da doença por trás de seus laptops, enquanto os/as trabalhadores/as de colarinho azul precisam continuar enfrentando o mundo exterior.
Em tal situação, a orientação profissional e de carreira deve ser um serviço essencial (veja Emma Bolger sobre esse tópico). Como você vai lidar com as mudanças no seu potencial de renda, trabalho, família e vida social? Quais são as estratégias corretas para lidar com essas mudanças, individual e coletivamente? Explorar respostas diferentes para essas perguntas junto aos/às cidadãos/ãs é algo que os/as profissionais da orientação profissional e de carreira podem assumir. A orientação profissional e de carreira pode atuar como uma caixa de ressonância para a reflexão pessoal e como um pool de conhecimentos adquiridos socialmente. Obviamente, isso exige que os/as profissionais da orientação profissional e de carreira utilizem formas de práticas online, mas, felizmente, já há muita prática a ser desenvolvida.
Também é necessário que o governo e outras partes interessadas reajam rapidamente às principais mudanças que o coronavírus está provocando no trabalho, aprendizado e lazer das pessoas e reconheçam que a orientação profissional e de carreira é exatamente o tipo de apoio necessário. O que as pessoas pensam sobre como querem viver suas vidas com educação, aprendizado e trabalho no novo futuro? Os governos precisam financiar a orientação profissional e de carreira como parte do pacote de medidas que são oferecidas em resposta à crise.
Da crise à transformação
Na situação atual, seria muito fácil para a orientação profissional e de carreira entrar no modo de gerenciamento de crises e se concentrar apenas em ajudar as pessoas a se ajustarem ao processo de carreira durante e após a pandemia. Tal abordagem inevitavelmente se concentraria na adaptação e ajuste e corre o risco de construir o mundo exterior como uma realidade fixa e imutável. As pessoas estão experimentando uma nova realidade durante o coronavírus. Essas experiências, por mais complexas que sejam, podem conter algo que indivíduos e comunidades desejam e levarão adiante.
A estratégia de distanciamento social criou um momento pedagógico transformador, que, é claro, será explorado de diferentes maneiras por diferentes grupos de interesse (políticos, religiosos e outros), que procurarão usá-la para promover diferentes tipos de aprendizado e levar as pessoas a diferentes conclusões. Em tal situação, nosso papel como orientadores/as profissionais e de carreira é ajudar as pessoas a ver que há uma gama de soluções diferentes para esta crise e que precisamos analisá-las cuidadosamente e considerar quem se beneficia com cada uma delas. Esse tipo de análise pode ajudar as pessoas a considerar como seguir com sua carreira de maneira mais eficaz e a reconhecer que a carreira não trata apenas de aprender a realizar uma videoconferência, mas também de exercer pressão por melhores pagamentos, melhor assistência médica, segurança no emprego e controle sobre a direção da economia.
Portanto, afirmamos que uma abordagem focada na justiça social para orientação profissional e de carreira permanece relevante, e até mesmo essencial, dentro do contexto do coronavírus. No livro “Career Guidance for Emancipation” (Orientação Profissional e de Carreira para a Emancipação), oferecemos cinco pontos chave sobre como pode ser uma abordagem focada na justiça social para a orientação profissional e de carreira. No contexto do coronavírus seria assim:
- Construção da consciência crítica. Durante esse período de crise, os/as orientadores/as profissionais e de carreira podem ajudar as pessoas a entender a situação, não apenas a reagir a ela em nível pessoal. Isso significa incentivar as pessoas a pensar sobre a política da situação e considerar a posição delas nas abordagens adotadas por governos, empresas e outros/as atores/rizes.
- Nomeação das opressões. Já está claro que o coronavírus não afetará todos/as igualmente. Os/as idosos/as, aqueles/as com doenças pré-existentes e imunocomprometidos/as devem ficar cada vez mais vulneráveis à perda de trabalho, de saúde e, potencialmente, de suas vidas. Enquanto isso, trabalhadores/as precários/as, com baixos salários e sem capital de reserva também enfrentam desafios únicos que vão além da manutenção de sua saúde. A menos que esses grupos sejam apoiados, eles não estão preparados para suportar o impacto da crise. Os/as orientadores/as profissionais e de carreira podem reconhecer as necessidades específicas desses grupos, ajudá-los a perceber injustiças e desigualdades em seu tratamento, e organizar-se em solidariedade com eles para garantir que ainda possam ter acesso a uma carreira decente.
- Questionamento do que é normal. O que é normal está mudando rapidamente na situação atual. Mas a discussão sobre um “retorno ao normal” e a aparência do “novo normal” provavelmente se tornarão as fronteiras do debate e da discussão política. Dentro de nossas carreiras, isso provavelmente se manifestará como milhares de microlutas sobre onde e quando devemos trabalhar, em que o trabalho consiste, o que constitui uma doença, estresse, bem-estar, e assim por diante. Incentivar os indivíduos a questionar e desafiar essas ideias de normalidade é um papel fundamental para a orientação profissional e de carreira.
- Encorajamento para as pessoas a trabalharem juntas. O coronavírus cria um ambiente complexo para a solidariedade social. Em um nível, criou um reconhecimento da experiência comum que transcende idade, raça, nacionalidade e outros marcadores de diferença. Por outro lado, ele nos atomizou, impedindo-nos de nos unir. Os/as orientadores/as profissionais e de carreira podem ajudar as pessoas a se unirem para fins de apoio, solidariedade e ação. Grupos de ajuda mútua estão surgindo rapidamente e precisamos fazer parte deles. À medida que a nova normalidade surge, os indivíduos podem juntos descobrir como respondem pessoal e politicamente ao novo contexto das carreiras. Os/as orientadores/as profissionais e de carreira podem desempenhar um papel importante na facilitação dessa interação social por meio de uma variedade de ferramentas online e outras.
- Trabalho em vários níveis. Finalmente, os/as orientadores/as profissionais e de carreira podem reconhecer que a carreira não é apenas vista como trabalho com indivíduos. Estamos em um período de rápida mudança e renegociação e garantir que as pessoas possam construir carreiras significativas exigirá intervenção nos sistemas organizacionais, sociais e políticos, bem como orientação, aconselhamento e educação.
Não são nossas palavras finais
A pandemia de coronavírus é uma situação em andamento. Não pretendemos entender o que está acontecendo ou aonde isso levará. Este post é uma tentativa inicial de tentar teorizar a situação e refletir sobre o tipo de resposta que a orientação profissional e de carreira pode dar a ela. Estaríamos interessados/as em ouvir outras pessoas e gostaríamos de receber pessoas que queiram escrever mais sobre isso.
Enquanto isso, pedimos às pessoas para permanecerem em segurança, continuando a praticar uma orientação profissional e de carreira socialmente justa onde puderem, e se apegarem à ideia de que o futuro ainda pode nos levar a um mundo melhor.

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